Brincadeiras de Amor:Me Queiras ou não

Este é um texto de reflexão, a partir de leituras sobre análise transacional, psicologia cognitiva, psicanálise, psicologia individual e psicologia analítica

Existe um livro de Análise Transacional, escrito pelo psiquiatra Eric Berne, que se chama Games People Play, que foi traduzido como Jogos da vida, mas também poderia ser Cenas ou Atos que as pessoas atuam.

Ao atender milhares de pessoas, a nossa experiência clinica aponta que, embora as pessoas sejam muito diferentes, existem certos padrões de comportamento que se repetem, alguns temas constantemente retornam, razão pela qual é possível conceber uma abordagem da psicologia (se precisássemos construir uma teoria para cada pessoa teríamos 7 bilhões de teorias).

Um dos jogos ou peças ou cenas que as pessoas gostam de jogar ou atuar é “me queira” ou “me ame”. “Olhe para mim! Fiz isso e aquilo, não sou digno de amor?” De maneiras diferentes, teorias importantes como a psicologia cognitiva, a psicanálise e a psicologia individual de Adler descreveram esse processo.

A visão de Jung sobre Freud (psicanálise) e Adler (psicologia individual)

No início do século passado, Jung conviveu com estes dois grandes pensadores. Durante um bom tempo, ele pensou sobre o que teria feito Adler romper com a psicanálise. Adler foi o primeiro a fazê-lo em 1910.

Curiosamente, Jung adota a perspectiva de que ambos estão certos. O que leva cada um dos dois a analisar o mesmo caso de maneiras diferentes é o seu tipo de personalidade. Para Freud, o problema central era a sexualidade – ou a vida afetiva, em geral, envolvendo tanto a sexualidade propriamente dita como o desejo de ser amado, o apaixonar-se e o abandonar e ser abandonado, etc – enquanto que para Adler o ponto fundamental era a superação do complexo de inferioridade. As pessoas ficavam mal, neuróticas, porque gastavam a sua energia toda para serem “superiores” às outras ou, o que dá no mesmo, ficavam fixadas na sua posição de “inferioridade” ou de vítima.

Jung entende que as duas visões estão certas e são pontos de vista passíveis de serem defendidos. Ele chama o ponto de vista de Freud de complexo de amor ou sexual e o de Adler de complexo de poder.

A psicologia cognitiva: crenças sobre vulnerabilidade e não ser amado

A psicologia cognitiva, sem se ater ao conceito de inconsciente, começou a investigar inicialmente porque as pessoas deprimiam. A pergunta era: “quais pensamentos atuais as pessoas deprimidas mantém?” e as conclusões se aproximam da ideia de complexo de poder e complexo de amor.

Uma pessoa deprimida pode manter a crença de que não é capaz, de que é inútil fazer isso ou aquilo, de que tudo o que faz dá errado, não vai pra frente. Todo esse modo de pensar é bastante parecido com o que Adler falar sobre complexo de inferioridade.

Outra pessoa deprimida pode ter e manter a crença de que as pessoas não gostam dela, de que tanta faz se aproximar ou não se aproximar – de qualquer jeito haverá rejeição, de que embora uma ou outra pessoa tenham demostrado afeto, era mentira, ou o próprio eu indigno de receber tanto carinho e afeição. Esta forma de pensar se aproxima da ideia de complexo de amor ou sexual.

São duas questões ou uma única questão?

Uma questão teórica interessante a se levantar é se são duas questões (poder e amor) ou uma única. Não penso que chegaremos a uma resposta – em um texto tão pequeno como esse – mas acho interessante levantar a pergunta e indicar o caminho que tenho pensado.

Embora os temas sejam evidentemente diferentes (uma pessoa com complexo de poder falará muito mais sobre a sua carreira e o modo como as outra pessoas a avaliam do que uma pessoa com complexo de amor, que falará de sua vida amorosa, familiar, sentimental), no fundo o desejo por trás dos dois temas converge, me parece, para o desejo de ser desejado, querido, bem quisto, elogiado,  não criticado, admirado…

Pensando sobre esse desejo, em princípio não é evidente que isso causaria sofrimento. “Porque eu querer ser bem visto ou querido ou desejado me fará sofrer?” Ora, se pensarmos ao longo do tempo, nem sempre seremos elogiados ou bem vistos. Uma pessoa que desejava estar sempre por perto pode mudar de ideia. Alguém que elogia pode vir a criticar. Ou seja, não há uma estabilidade ao longo dos meses e dos anos, o que gera angústia e ansiedade, através da necessidade de constantemente ter que provar, de uma forma ou outra, que “sou digno de amor”.

Uma saída para este estado de coisas é aumentar a auto-estima. Ao conseguir me “auto-estimar” eu não vou depender de que o outro me estime. O que pode vir a trazer uma concepção ainda mais profunda, de que o meu valor como pessoa, com indivíduo, como ser é totalmente independente da opinião das outras pessoas.

Outra forma de saída desse jogo, dessa brincadeira de “me queira, me ame” é exatamente reconhecer que não precisamos passar a vida inteira nisso, gastando toda nossa energia para receber um “muito bem” ou “você é incrível” ou sentir que uma outra pessoa gosta do que fazemos.

Podemos brincar de outros jogos, mais produtivos e que tragam mais felicidade e contentamento, como ajudar outras pessoas a ficar bem, por exemplo.

Conclusão

Este é um pequeno texto de reflexão, a partir de leituras sobre análise transacional, psicologia cognitiva, psicanálise, psicologia individual e psicologia analítica. Também se junta à minha experiência clínica de mais de dez anos como psicólogo: a repetição do tema “me ame” ou “não me amam” ou “tenho feito isso para me amarem” – um jogo aparentemente inofensivo, mas que causa muitas lágrimas e muito sofrimento.

E você? O que acha disso?

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