A Neuropsicológia


A neuropsicologia é uma interface ou aplicação da psicologia e da neurologia, que estuda as relações entre o cérebro e o comportamento humano, contudo praticamente dedica-se a investigar como diferentes lesões causam déficits em diversas áreas da cognição humana, ou tal como denominado pelos primeiros estudos nesse campo, estuda as funções mentais superiores, deixando áreas como agressividade, sexualidade para abordagens mais integrativas da fisiologia e biologia (neurobiologia, neurofisiologia, psicofisiologia, psicobiologia) ou melhor da neurociência.

Entre as principais contribuições desse ramo do conhecimento estão os resultados de pesquisas científicas para elaborar intervenções em casos de lesão cerebral, quando se verifica o comprometimento da cognição e de alguns aspectos do comportamento (deficiência mental).

Atribui-se ao psicólogo canadense Donald Olding Hebb (1904-1985) a cunhagem do termo neuropsicologia.

História da Neuropsicologia

Como área de interface, sua história confunde-se com a história da psicologia e a da medicina. Já eram conhecidos desde a antiguidade que pessoas que sofriam traumatismos cranianos, muitas vezes, passavam a ter alterações em suas funções mentais, tais como a linguagem, o pensamento e a memória, chegando mesmo a provocar alterações profundas e duradouras no seu comportamento (alterações de personalidade).

Há indícios mesmo de trepanação encontrados em crânios pré-históricos. Os papiros de Edwin Smith , que descrevem conhecimentos e procedimentos médicos do Antigo Egito (c. 3.000 a. C.), já referiam dificuldades de linguagem em pacientes com traumatismos cranianos e outras patologias do encéfalo, há 3.000 a. C. Outros povos da idade antiga também possuíam conhecimento de que havia uma relação entre o corpo e o comportamento, embora houvesse divergência de qual órgão seria a sede da alma.

Os hebreus, por exemplo, defendiam a hipótese cardíaca, de que a alma residiria no coração. Aristóteles, entre os gregos, era também partidário desta tese, e caberia ao cérebro a função de refrigerar o sangue. Entretanto, já havia os que postulavam que o cérebro seria a sede do pensamento.

Alcmeão de Crotona, em 500 a. C., defendeu uma relação importante entre o cérebro e os processos mentais. Cláudio Galeno, médico de centuriões, ao estudar os ferimentos de batalha identificou que lesões no crânio eram capazes de provocar danos de comportamento, linguagem, memória e na inteligência.

A Igreja Católica, na idade média, aceitava a tese de que o cérebro pudesse ser a sede da alma, e destinava aos ventrículos cerebrais a nobre função de abrigar o espírito.

Estudos mais recentes, de Franz Gall e Paul Broca, no século XIX, associavam regiões do cérebro como responsáveis por determinadas funções mentais; havendo algum dano, haveria algum tipo de sintomatologia .

Um caso histórico emblemático das relações entre lesão cerebral e a alteração das funções cognitivas foi o de Phineas P. Gage. Aos 25 anos de idade, era funcionário de construção de ferrovias da Rutland & Burlington. Um acidente com explosivos, que tinha tudo para tê-lo matado, lançou uma barra de ferro que atravessou seu crânio na região frontal, deixando-o cego do olho esquerdo, mas vivo.

Sempre dedicado, bom trabalhador e capaz, Gage teve severas alterações de comportamento após este acidente. Tornou-se displicente, arruaceiro e briguento, passando a ter um comportamento totalmente diferente. Este artigo sugere que ele passou a ter estas alterações duradouras em seu comportamento devido às lesões, que alteraram o funcionamento do seu cérebro.

O caso de Gage é emblemático na neuropsicologia, pois mostra as relações entre lesão cerebral e as funções cognitivas e motoras. A mudança do comportamento de Gage é atribuído à extensa lesão no lobo frontal, uma das regiões que regulam o controle dos impulsos.

Lesões nesta área podem levar a um comportamento egoísta e anti-social. O cérebro e a localização das funções mentais no processo de desvendamento do cérebro, houve várias teorias sobre como ele deveria funcionar.

Muitas destas teorias eram concorrentes. Dentre elas, ocupa destaque na história da neuropsicologia a disputa entre o localizacionismo versus o holismo ou globalismo.

Os globalistas defendiam que as funções mentais estariam distribuídas na massa encefálica, sem estar situada especificamente numa ou noutra região. Elas seriam o resultado do funcionamento do cérebro como um todo. Alguns dados de pesquisa apoiavam esta tese, visto que a remoção de grande massa encefálica causava mais prejuízo nas funções mentais, enquanto que a remoção de massas menores, causaria danos menores ou parcamente identificáveis.

Por sua vez, os localizacionistas apostavam que as funções mentais seriam o resultado do trabalho de neurônios localizados em áreas específicas do cérebro; lesões nestas áreas causariam dano em habilidades específicas.

Os trabalhos de Paul Broca (1824-1880) identificaram uma área específica do cérebro que processa a capacidade de comunicação verbal, que em sua homenagem foi chamada de área de Broca. Actualmente, está prevalecendo a tese de que o cérebro possui áreas especializadas, embora estudos mais recentes apontem que uma delimitação absoluta de regiões cerebrais seja uma utopia. A neuropsicologia se embasa no conhecimento do funcionamento das diferentes áreas cerebrais, buscando correlacionar na medida do possível a função à região.

Essa associação permite ao profissional compreender, por exemplo, qual pode ser a extensão da lesão e, ao analisar uma tomografia, estimar quais funções executivas podem estar sendo prejudicadas.

Avaliação Neuropsicologica

A avaliação neuropsicológica consiste na utilização de exame clínico, aliado a outras ferramentas diagnósticas (exames de neuroimagem, tais como tomografia computadorizada, ressonância magnética, SPECT), observação do comportamento, relatos da família do paciente e a instrumentos psicológicos, como inventários e outros testes.

É um processo complexo, que precisa ser conduzido caso a caso, escolhendo as técnicas mais adequadas à situação real apresentada . A avaliação neuropsicológica é o primeiro passo para a futura reabilitação neurológica, pois irá identificar as áreas cognitivas com maior dano e, a partir disso, será elaborado o plano de tratamento.

Como em qualquer passo de avaliação, é fundamental que o profissional conheça aspectos relevantes da vida do paciente, progressa ao aparecimento dos sintomas, bem como os dados que fundamentem a formulação de hipóteses de trabalho para, em seguida, seleccionar as estratégias adequadas para a avaliação.

Usualmente são avaliadas as funções de percepção, armazenamento da informação (memória), pensamento (cognição propriamente dita) e execução (funções executivas).

Essencialmente, a avaliação psicológica não difere dos métodos desenvolvidos pela psicometria desde as origens da psicologia ou psicologia cognitiva a não ser quanto a especificidade de seu objecto (as funções executivas), e por estabelecer conexões entre as funções avaliadas e a neurofisiologia.

A proposição é, portanto, avaliar, identificar e detectar a integridade das funções mentais superiores: atenção, consciência, memória, linguagem e inteligência (principalmente através do exame de processos lógicos e linguagem).

No passado, havia um forte esforço para tentar associar, pela avaliação neuropsicológica, um determinado déficit com uma área encefálica lesionada, mas actualmente esta busca está em segundo plano, sendo prioridade a avaliação das funções propriamente ditas (mesmo a questão da localização cerebral de forma fixa está sendo questionada por Miguel Nicolelis e outros neurocientistas, como apontado acima).

Reabilitação Neuropsicológica

O processo de reabilitação após a ocorrência de perda ou prejuízo nas funções cognitivas é fundamental, e é orientado pelos resultados derivados da avaliação neuropsicológica.

Foi após a II Guerra Mundial que o campo da reabilitação neuropsicológica passou a ser reconhecido, haja visto o elevado número de soldados que tiveram lesão cerebral . A reabilitação pode ocorrer visando as diversas funções executivas lesadas, através do uso de exercícios como palavras cruzadas, desenhos, jogos de memória e outros.

Pode-se dizer que a reabilitação é um processo multidisciplinar, envolvendo vários profissionais tais como psicólogos, fonoaudiologistas e fisioterapeutas, além do médico. A reabilitação é possível graças a um fenômeno chamado de plasticidade cerebral.

O cérebro possui uma capacidade de se autoregenerar, embora em escala modesta. Até o início do século XIX, a maioria dos pesquisadores não acreditavam na possibilidade de regeneração do tecido nervoso , especialmente no encéfalo; isto ocorria porque não havia sido identificado nenhum fenômeno de mitose no tecido cerebral, e por causa da citoarquitetura dos axônios, ligando-se de forma estável em rede com outros neurônios.

Actualmente, já se identificam estruturas encefálicas como o hipocampo e giro denteado relacionadas com a neurogênese.

Da mesma forma, condições que afectam o hipocampo, como por exemplo transtornos afectivos (depressão , transtorno afectivo bipolar e outros) e o transtorno de estresse pós-traumático, parecem prejudicar a capacidade de produção de novos neurônios.

Após uma lesão cerebral (por exemplo, acidente vascular cerebral - AVC), existe a formação de neurônios que migram para a área lesionada, recuperando parte dos neurônios que morreram. Além da formação de novos neurônios, existe a constante remodelagem da ligação dos axônios: o processo de aprendizagem e as experiências contínuas às quais os organismos estão expostos produzem alterações na quantidade e direcção das sinapses.

Esta alteração permite aquilo que chamamos de aprendizagem, pois oportuniza uma comunicação diferenciada entre os neurônios, gerando assim mais canais de comunicação. O processo de reabilitação neuropsicológica envolve estratégias múltiplas, visando facilitar a neurogênese e a reogranização sináptica entre os neurônios.

Dieta adequada e exercícios físicos orientados, aliados à um uso das funções executivas (pensamento, memória, atenção, linguagem, etc.) facilitam a reorganização neuronal, recuperando parcial ou totalmente (dependendo da extensão da lesão) a função prejudicada.

Da mesma forma, comportamentos que prejudicam o funcionamento do sistema nervoso, como uso abusivo de álcool e drogas, dificultam o processo de regeneração neuronal, e óbviamente devem ser activamente evitados no processo de reabilitação e posteriormente.

Funções Executivas na Psicologia

Funções superiores ou executivas referem-se a um conjunto de funções mentais responsáveis pelo processamento humano da informação. Integradas, dão as condições de interpretação, comportamento, comunicação e relacionamento com si mesmo, o mundo e com as outras pessoas.

Podem ser definidas como as habilidades de solução de problemas cotidianos, de forma geral . Prejuízos nestas funções geram alterações de comportamento. A expressão actividade nervosa superior foi utilizada pelo fisiologista russo Ivan Pavlov , no começo do século XX, para designar o que ele designava como actividade psíquica entre funções do córtex compreendido como um conjunto de analisadores entre os quais os correspondentes à linguagem e actividade lógica racional na espécie humana.

Com o avanço da Neurofisiologia aos pouco veio se descobrindo que muitas das funções requeridas para a actividade racional não dependiam exclusivamente desta região e sim do funcionamento do cérebro compreendido como um todo, não podendo, portanto limitar-se à acção específica e localizada de alguns conjuntos de células como por exemplo da retina e alguns neurônios do córtex visual próprios para percepção da luz.

Contudo, pode ser mais apropriado o termo funções executivas do que função mental superior, pois esta última implicaria em contraponto com funções mentais inferiores. A existência das funções superiores deve-se primordialmente à ocorrência dos neurônios de associação (também chamados de interneurônios ou neurônios internunciais). Estes neurônios de associação, juntamente com os neurônios sensitivos (que levam ao SNC os estímulos derivados do ambiente ou do próprio organismo) e os neurônios eferentes (responsáveis pelo envio, para músculos e órgãos, de sinais oriundos no SNC) compõem o conjunto de neurônios do sistema nervoso dos animais.

São os neurônios de associação que permitem o processamento da informação, pois comunicam-se entre si e decidem a informação a ser enviada para outra região.

Nos vertebrados, estes neurônios estão presentes principalmente no encéfalo Alexander Luria , um importante neurofisiologista da Universidade de Moscou que deu continuidade aos trabalhos de Pavlov à luz das novas descobertas da anatomia e neurofisiologia cerebral, identificou três sistemas ou unidades funcionais relacionados às funções executivas: Unidade para regular o sono e vigília (funções básicas);

Unidade para obter processar e armazenar informações (englobando funções como memória, pensamento e linguagem);

Unidade para programar, regular e verificar a actividade mental (esta última considerada metacognição ).

Estes sistemas funcionam de maneira integrada, pois é a intercomunicação deste conjunto de funções (que incluem o coma, o sono e a consciência humana), tanto quanto às funções executivas, que permite que cérebro desempenhe adequadamente suas funções com o próprio organismo e com o exterior.

A execução das funções mentais depende da existência e funcionamento de determinadas regiões do cérebro.

Por exemplo, a atenção e a memória estão vinculadas intimamente com o sistema reticular activador e o hipocampo, sem mencionar a própria córtex frontal (relacionada com o controle dos impulsos e comportamento social), córtex sensorial e demais engines.

A inteligência é outro tópico discutido fartamente na literatura, embora careça de uma definição precisa. A relação entre características específicas da inteligência e pensamento se deve historicamente à frenologia de Franz Gall, revista por Paul Broca (que estabeleceu em 1861 uma relação entre a linguagem e uma área específica do cérebro, chamada de área de Broca).

Este artigo aponta a existência de um factor g) concebidos como módulos responsáveis por habilidades gerais de processamento de informação, tanto quanto sugere a existência de inteligências múltiplas.

Localização dos Hemisférios Cerebrais

Usando o pressuposto de Lent , uma grande explosão de conhecimento sobre a especialização dos hemisférios surgiu a partir da década de 60, com pesquisas que conduziram o psicólogo americano Roger Sperry a merecer o Prêmio Nobel de medicina e fisiologia por seus estudos sobre a especialização hemisférica e as comissuras cerebrais (comissura anterior, corpo caloso e comissura posterior).

Os hemisférios cerebrais possuem certo nível de especialização.
Enquanto que o hemisfério esquerdo é usualmente o dominante e está associado com as habilidades linguísticas, análise racional, memória verbal e linguagem, o hemisfério direito controla primordialmente a atenção, percepção, memória espacial, esquema corporal, relacionamento social, habilidades artísticas (música) e reconhecimento de faces.

Atenção

A atenção é a capacidade para direccionar a consciência, por um período maior ou menor de tempo, para determinado objecto ou evento. Assim, está intimamente relacionada com a consciência.

Atenção é um sub-conjunto de funções que varia da concentração à distração ou devaneio (sonolência). Sistema reticular activador - tronco cerebral - consciência (vigília) Unidade para regular o sono e a vigília e os estados mentais Identifica um gradiente entre dispersão e concentração.

Testa-se a atenção concentrada (permanência – capacidade/hábito); Numa abordagem mais extensa examina-se a capacidade de uso consciente dos sub-conjuntos da atenção: sonhos programados; sonhos lúcidos; experiências religiosas/ estados fásicos obtidos por técnicas de meditação e uso de enteógenos.

Consciência

A consciência é a capacidade para manter um organismo em estado de vigília, estando assim apto a desempenhar comportamentos motores, de comunicação e outros de forma voluntária.

A consciência, neste sentido, é compreendida como a capacidade ou estado de acordado, vigil, e não como uma instância moral de julgamento.

A consciência está associada ao sono. O sono é considerado uma fase normal do funcionamento do cérebro, associado à consolidação das memórias do dia anterior e necessário ao restabelecimento do funcionamento cerebral.

O sono possui vários estágios, mas os dois principais consistem no sono REM, onde ocorrem os sonhos, e o sono não-REM, onde o padrão de ondas cerebrais é diferente do sono REM. A sigla REM significa 'rapid eye moviments', pois nesta fase os olhos apresentam movimentos rápidos.

O coma é um estado de inconsciência. Pode ocorrer devido a vários factores, tais como em virtude de acidentes ou em patologias que afectam o cérebro.

A Escala Glasgow considera os seguintes níveis : Estupor - obnubilação Coma Leve Coma Moderado Coma Profundo Memória.
A memória é a capacidade para reter e evocar informações. Por muitos anos considerada como um bloco, um sistema unitário, estudos conduzidos na segunda metade do século XX apontaram que existem vários tipos de memória, tais como operacional ou de curto prazo, memória de longo prazo, declarativa ou consciente, não-declarativa ou inconsciente, anterógrada, retrógrada, visual, facial, auditiva (inclui verbal e musical), corporal ou cinestésica, dentre outras.

Usando as palavras de Luria, à memória cabe a função de receber, analisar e armazenar informações.

Entretanto, nem todos os autores concordam com a memória analisando a informação, cabendo a análise a outra função mental, o pensamento.

Segundo Kandel e Kupfermann , vários estudos têm mostrado que existem diferentes tipos de processos de memória. A memória explícita inclui o aprendizado sobre pessoas lugares e coisas passiveis de serem descritas verbalmente, daí também ser denominada memória declarativa, uma aprendizagem que exige um conhecimento consciente.

A memória implícita, que parece depender de circuitos neuronais distintos, inclui forma de aprendizagem perceptivo e motor, não exige o conhecimento consciente e dependem do cerebelo e da amígdala ou para as formas simples de aprendizagem, dos sistemas sensoriais e motores específicos a tarefa em questão.

O armazenamento e recuperação de informação da memória explícita dependem do sistema do lobo temporal. Estudos indicam que alterações ou lesões neste lobo e no hipocampo tendem a prejudicar a memória de forma importante.

Bibliografia

www.visaodopsicologo.blogspot.com.Editado:2017.Moçambique

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