As Implicações Psicológicas da Crise Económica em Moçambique



AS IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS DA CRISE ECONÓMICA EM MOÇAMBIQUE



Autor: Apolenário  Hipólito Salazar PORTUGAL



Especialista em Psicologia Social (UP/FACEP) e Licenciado em Psicologia Geral (UP/FACEP)






RESUMO:

Este artigo aborda sobre as implicações psicológicas causadas pela crise económica em Moçambique. Crise económica, essa é a palavra-chave do ano 2014 em Moçambique. Ela está em todos os lugares: nos jornais, na TV, na conversa entre amigos, no almoço de família, no ambiente de trabalho. Não há como fugir dela. Se você está bem empregado, sente os efeitos quando vai ao supermercado; se você foi desligado, não está conseguindo se recolocar, está inseguro ou infeliz.

Essa atmosfera pesada começa a produzir repercussões na saúde mental dos Moçambicanos.





Moçambique, cidade de Nampula, Janeiro de 2017







1ᵃ Edição



Introdução

O germe deste artigo é uma inquietação, uma tentativa de compreender um
fenômeno aparentemente paradoxal ou melhor, as implicações psicológicas provocadas pela crise económica que assola o mundo, sem excepção a República de Moçambique. As reais e, paralelamente, um certo declínio da interioridade psicológica que sempre caracterizou a subjectividade moderna. Para ancorar tal discussão, escolhemos como objecto de estudo: a crise económica da população de Nampula.

Antes de mergulhar nessa problemática de candente actualidade, porém, torna-se necessário percorrer brevemente a genealogia dos dois factores aqui considerados tanto as “narrativas do eu” como a crença numa “vida interior”, localizando a sua germinação conjunta na alvorada dos tempos modernos.

Depois de reconstruir a historicidade desse
campo contextual, procuraremos vislumbrar a especificidade de suas reverberações actuais, focalizando as fortes transformações que estão afetando a subjectividade contemporânea e que não cessam de reconfigurar a paisagem do mundo.



































O nascimento da crise económica em Moçambique

Ela nasce nos meados dos anos de 2014, quando o país começou a ultrapassar a situação política e militar na zona centro de Moçambique.  Um conflito militar disputado entre os militares do maior partido da oposição (RENAMO), e os militares da (FADMO), em defesa do partido no poder (FRELIMO), e o povo Moçambicano em geral.

No mesmo ano houveram eleições gerais, onde deu vantagem o partido (FRELIMO) o e o seu candidato Filipe Jacinto Nyusi, o novo estadista Moçambicano. Desta feita, com a tomada de posse do novo estadista, a situação da crise económica neste país piorou, e começaram a surgir as dívidas ocultas que o governo de Moçambique possui, o custo de vida triplicou e a falta de emprego quadruplicou.

Essa atmosfera pesada começa a produzir repercussões na saúde mental dos Moçambicanos. Segundo Apolenário  Portugal apud Maria Alice Fontes , psicóloga e directora da Clínica Plenamente, a crise financeira está associada com o medo de não ser capaz de sustentar as necessidades financeiras básicas, a impossibilidade de ter o mesmo padrão de vida e a baixa auto-estima devido ao distanciamento social.

“Emprego estável e um rendimento seguro predizem uma boa saúde mental” , afirma.

De acordo com a especialista, os principais problemas psicológicos que acometem as pessoas durante as crises financeiras são o aumento da ansiedade, de sintomas depressivos, de estresse, uso de álcool, e até o suicídio.

“Todos estes sintomas estão presentes nas crises, mas não podem ser considerados resultados somente delas, pois dependem da estrutura psicológica de cada um. Pessoas com crenças pessoais negativas tendem a ter a recidiva de depressão e de sintomas de ansiedade frente a instabilidades do ambiente” , diz Apolenário  Portugal apud Maria Alice.

Partindo do pressuposto de Guilherme Messas, médico psiquiatra e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, explica que a característica de qualquer crise psicológica é a perda de perspectiva de futuro e a incapacidade de uma retomada do passado.

“A pessoa fica como que suspensa no ar, procurando desesperadamente encontrar um apoio no chão. Esse apoio em geral é encontrado nas relações pessoais próximas, na família ou na actividade profissional. As crises financeiras são especialmente graves porque acometem igualmente, e ao mesmo tempo, as demais pessoas que poderiam servir como pontos de apoio” , explica o médico.

Além disso, a identidade profissional pode ser perdida ou ficar sob risco iminente. A consequência desse cenário é devastadora para o psiquismo e tem grande poder de contaminação, levando a uma reacção em cadeia.

“Essa reacção em cadeia faz com que as pessoas se esqueçam de seu passado recente. No caso de Moçambique, faz com que se esqueçam de que estiveram vivendo bem por um longo período” , diz.

Leitura recomendada: Sobre a crise econômica com educação financeira

Outro comportamento que as pessoas têm tomado nesse período menos favorável é a cautela extrema com as finanças. Muitos consumidores se deixaram levar por notícias negativas e praticamente estagnaram o consumo.

Com certeza o controle das pessoas em relação ao dinheiro é algo positivo, e é o que sempre prego na educação financeira.

Acredito que seja fundamental se planejar para comprar o que se objectiva, seja isso no curto, médio ou longo prazo , diz o educador financeiro Reinaldo Domingos .

Dentro dos novos limites possíveis, na óptica de Messas, afirma que é importante procurar manter seu estilo anterior de vida, já que ele é um elemento muito forte para a estabilidade psicológica. “Abandoná-lo por completo piora o panorama psicológico” , aconselha.
A principal sugestão para as grandes crises sociais é procurar lembrar-se de suas próprias características pessoais e de que as crises passam e que sempre haverá uma nova forma de vida que surgirá; ou seja, a paciência e a criatividade são as melhores condutas nos momentos de grande turbulência.

Na visão de Apolenário  Portugal apud Messas explica que as crises possuem uma etapa inicial (essa que estamos vivendo), na qual parece não haver saída. “É o momento mais doloroso. Com o passar do tempo, mesmo que a crise continue, o psiquismo criativo encontra modos de se adaptar e cria soluções para os problemas e impasses. A saída psicológica e social da crise vai sendo inventada mesmo que as pessoas não se dêem conta disso. Gradualmente, o governo vai estabelecendo os acordos que permitem a reconstrução da vida dos seus cidadãos. Isso, evidentemente, se não se perder no desespero do imediatismo” , afirma.

Há, portanto, uma boa chance de que mesmo com crise se possa experimentar bem-estar psicológico e esperança. Mas, para isso, é necessário o factor tempo e um esforço para a superação do imediatismo. “É importante manter em mente que as crises, embora dolorosas, permitem renovação. Isso serve tanto para uma pessoa como para uma sociedade” , ressalta.

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Embora a actual crise tenha um grande impacto sobre a saúde mental, ela sempre pode representar uma oportunidade.

Usando as palavras do Marco Callegaro, psicólogo e presidente da Associação de Psicologia Positiva da América Latina (APPAL), a adversidade deve ser encarada como um grande motor de mudanças.

“Quando passamos por dificuldades construímos novas estruturas internas e nos tornamos mais fortes” , destaca o psicólogo. Segundo ele, a actividade física, o sono adequado e a alimentação equilibrada são três factores que não podem ser deixados de lado nesse momento.

Além disso, a qualidade de nossos pensamentos também deve ser observada. “Sempre é possível fazer uma nova interpretação da situação, mais realista e menos catastrófica” , diz Marco.

Segundo o educador financeiro Reinaldo Domingos garante que não há motivos para desespero, e sim para planejamento e adequação, buscando sair fortalecido deste período. Confira algumas dicas para auxiliar nesse momento:

Muitos pensam em como se livrar das dívidas em um momento de crise. Pode parecer impossível, mas é exactamente nesses momentos que os credores também oferecem as melhores condições para negociações.

A orientação é que o primeiro passo seja o de resolver o problema que levou ao endividamento, isto é, a causa. “Adequar seu padrão de vida a sua realidade é muito difícil, mas é fundamental observar que não pode viver em uma realidade que não é sua. Cortar gastos para ganhar fôlego e, assim, poder assumir o compromisso de pagar as dívidas é a melhor opção agora. Se não se livrar desse problema de forma emergencial, pode ter certeza que a alta dos juros prejudicará a sua saúde financeira no futuro” , diz Reinaldo.

Leitura recomendada: Como evitar dívidas e ajustar o orçamento em tempos de crise

Você sabia que, em média, 25% dos nossos gastos são com supérfluos? As pessoas sempre dizem que não têm mais da onde reduzir os gastos, mas, depois, quando fazem uma análise, observam que é possível.

“É preciso realizar um diagnóstico de sua vida financeira por 30 e 60 dias, anotando tudo o que gasta por tipo de despesa, até mesmo café e leite. Assim, verá uma realidade muito diferente do que imagina. Mas ressalto que não se deve virar escravo dessa anotação, pois, quando vira rotina, perde a eficácia” , recomenda o especialista.

Por mais que o cenário para muitos seja de pesadelo, nessa hora é de grande importância sonhar, ou seja, definir os objectivos materiais, pois eles é que farão com que se tenha foco para evitar o descontrole ou mesmo o desespero.

Para isso, recomenda-se reunir a família e conversar sobre o tema, dividindo os sonhos em três tipos: curto (até um ano), médio (até dez anos) e longo (acima de dez anos) prazos, definindo também quanto custam e quanto poderão poupar por mês para realizá-los.

Leitura recomendada: Crise econômica: oportunidade para quem quer ficar rico

Um erro comum é pensar que orçamento financeiro familiar consiste em registar o que se ganha e subtrair o que se gasta e, caso sobre dinheiro, será lucro, se faltar, prejuízo.

“A forma correcta, no entanto, consiste em, primeiramente, elaborar o registo de todas as receitas mensais, posteriormente, separar os valores pré-definidos para os projectos da família e, somente com o restante, adequar os gastos da família. Isso forçará um ajuste do padrão de vida familiar para conquistas financeiras”.

Com a alta de juros, agora, é um bom momento para quem que investir, contudo, o grande erro é a ideia de poupar sem motivo e buscar sempre o melhor rendimento. No mercado financeiro, existem diversas opções de aplicação em activos financeiros com riscos diferentes.

A orientação é procurar variar o investimento de acordo com o tempo que utilizará o dinheiro. “De forma geral, o risco de uma aplicação financeira é directamente proporcional à rentabilidade desejada, ou seja, quanto maior o retorno estimado pelo tipo de aplicação escolhida, maior será o risco, por isso, é preciso cautela” , alerta.


Crise Económica e o aumento do Desemprego em Moçambique

Essa é uma das piores consequências da crise econômica que vem se instalando em Moçambique desde o segundo semestre do ano 2014. Em entrevista, Doutor António Suleman, é um Médico Psiquiatra e professor de Psicopatologia, Neurofisiologia e Psicofisiologia, no curso de Psicologia, da Universidade Pedagógica Faculdade de Ciências da Educação e Psicologia em Nampula, analisou os impactos que essa ameaça e a realidade do desemprego causam nos trabalhadores das grandes corporações que sofreram pressões financeiras devido à crise. Para ele, os principais impactos que a crise traz aos trabalhadores é o receio do desemprego.

Além disso, quem entra no mercado fica desesperançoso com a situação.


Estamos vivendo uma das mais profundas crises financeiras e, por mais que não sejam os culpados, são os trabalhadores que têm pago  todo o problema.

Quais são os principais impactos psicológicos que são causados a partir dessa realidade?

Segundo Apolenário  Portugal apud Nelson Rivero – Para nós, sem querer fazer teorização, entendermos como o desemprego afecta todas as pessoas envolvidas porque esses trabalhadores têm família, filhos em formação, futuros trabalhadores, constituindo a sua relação com o mundo do trabalho dentro da sua própria casa, precisamos compreender a centralidade do trabalho especialmente na sociedade moderna. Ou seja, com o advento da industrialização, cria-se, mais tarde, o emprego e o desemprego. Quando se fala e se pensa sobre ele, é necessário pensar da mesma forma.

Quer dizer, o desemprego não é necessariamente o centro da discussão do trabalho, mas é um aspecto profundamente vinculado ao emprego. E, especialmente nesses últimos tempos, torna-se quase um
sinônimo de trabalho, principalmente naquelas sociedades industrializadas e naquelas que pretendem ser industriais, também em função da quantidade de associações, seja por benefícios sociais, seja pelas situações de protecção que o emprego traz quando surge. Estar sem emprego, ao longo do século XX, foi se constituindo não só num factor de influência, mas num aspecto que afecta ou não o indivíduo.

Hoje, não temos condições de dizer que não somos afectados pela condição de trabalho ou pela condição de desemprego. Então, muito do pensamento da psicologia trata o trabalho como um factor de produção do sujeito. A principal e a primeira consequência mais directa, no que diz respeito aos aspectos psicológicos de alguém que está desempregado ou de um desemprego em massa como está acontecendo agora, é justamente privar o trabalhador de uma certa realidade que o constitui. Não é só para poder participar da sociedade, mas para poder enxergar a si mesmo.

Uma das principais consequências é o receio de ficar desempregado, além de trazer uma desesperança para aqueles que estão entrando no mercado. A perda do emprego pode fazer com que o trabalhador se confunda, perca sua capacidade de gestão de si mesmo, de se enxergar como sujeito produtivo .


O grande trabalho de reconstrução das pessoas que estão nessa situação passa por resgatar ou até mesmo construir uma visão do quanto temos mais potencialidade para além do emprego. O impacto é grande em vários públicos, afecta, de diferentes formas, o campo da produção de identidade e de sentido para essas pessoas. Isso produz uma nova forma de nos relacionarmos com o trabalho.

Também estamos falando de demissões de pessoas com mais de 40 anos, bastante profissionalizadas e com muita experiência.

Que transformações essa situação causa na sociedade contemporânea?

Ainda temos necessidades de um distanciamento para saber desses impactos com um pouco mais de clareza. Como a velocidade dessas transformações é muito alta, essa realidade da crise não é novidade. Basta perceber os caminhos que o capitalismo traçou. Mesmo assim, as consequências acontecem numa velocidade muito grande e na, maior parte das vezes, a nossa subjectividade é atropelada, carregada.

Porém, o que já temos como uma hipótese bastante importante é de que iniciamos o século XXI construindo um outro paradigma para o trabalho. Essa noção que temos do trabalho hoje, do trabalho empregado e da produção da materialidade, já não dá mais conta desta nova realidade, até porque o que estamos vendo é uma consequência desse movimento. Como linha de análise dessas transformações é que o trabalho caminha para reconstituir a sua forma de valor.

O valor dos aspectos de produção talvez não esteja tão vinculado aos seus valores de troca e de uso. Talvez estejamos caminhando para uma sociedade que constitua, por exemplo, valores para o trabalho que estão mais no campo da capacidade intelectual. Investiu-se, nos últimos anos, num tipo de competência que pode não ser necessária hoje.

Em toda crise, obviamente se enxuga aquilo que se gasta mais e essas pessoas mais especializadas são mais onerosas. Com isso, ressurge o exército de reservas de Marx, ou seja, mais pessoas querendo trabalhar e por um preço menor e, assim, se criam novas modalidades de gestão. São possibilidades trabalhadas por diversos pesquisadores, mas ainda estamos muito imersos nesse processo actual. É um processo de contradição e de paradoxos, pois a história do trabalho se constitui assim deste o seu conceito.

Surge, então, uma nova morfologia do trabalho?

Na direcção que estou te trazendo, sim. Surge a possibilidade de entender um outro jeito de constituir aquilo que chamamos de classe trabalhadora. A classe trabalhadora passa por uma reconfiguração que abandona os extractos mais estruturais e partem muito mais para condições de virtualidade. São classes menos perceptíveis na relação do trabalho, mas mais efectivas no campo da materialidade, onde operam com maior velocidade e destreza.

E que impactos sofrem essas pessoas que entendem o trabalho de uma forma, mas estão dentro desse processo de mudanças?

Isso não acontece só no campo do trabalho, embora ele seja um excelente vector para pensarmos isso. Acho que bons analistas dos últimos tempos já têm anunciado o quanto não conseguimos desenvolver aquilo que nos propomos. Muitas situações, que antes se entendiam como verdades sustentadoras da nossa realidade, mudaram, pois hoje é necessário um sujeito que saiba lidar com as não-certezas, mas o homem moderno não foi trabalhado para funcionar desse jeito.

Talvez, psicologicamente, possamos pensar que tão mais saudável é o sujeito que consegue admitir a natureza mais caótica da própria vida e lidar com isso como uma forma menos assustadora. Nessa realidade, quanto mais se insiste procurar verdades absolutas, mais as pessoas se desesperam.

Se as empresas usam o emprego dos trabalhadores como uma válvula de escape para solução dos problemas que a crise causa, como podemos classificar suas atitudes?

Isso não é novo e está na ordem das coisas que acontece. Podemos tomar isso como um facto, infelizmente, ético que nos demonstra o quanto nenhum sistema ou processo associado à economia garante um procedimento justo. Essa é uma efectiva realidade, mas não existe uma classificação psicológica para isso. Esse facto está, antes de tudo, dentro do campo ético e assim precisa ser entendido e encarado como aquilo que a humanidade é capaz de fazer em detrimento de si mesma.

Uma das grandes questões filosóficas do homem é: “Quem eu sou?”. Mas quando ele se descobre dentro de uma crise e percebe que pode ser também um custo, como isso mexe como a forma como ele se encara?

Para começar, precisaríamos nos perguntar em que medida a ser um custo, causa um sofrimento? A princípio, se a gente tomar a ideia de que o homem irá conscientizar-se de que é um custo e isso trará um impacto de entristecimento, o que é possível e provável de acontecer. Podemos dizer que instala-se aí um momento de crise da própria condição da existência e talvez, também, uma grande oportunidade para ele reconfigurar a própria realidade de relação com o trabalho.

Uma das grandes consequências danosas desse processo de produção de um sujeito muito ordenado, disciplinado e controlado para o trabalho é que há muito tempo esse extrato de humanidade perde a capacidade de indignação. Então, não seria improvável nós entendermos que as pessoas sustentam a sua importância pelo custo que têm para a empresa. Ela pode entrar em crise por estar situada num lugar onde é apenas um numerário pesado, ao mesmo tempo essa mesma lógica faz com que as pessoas apresentem-se para o mercado de trabalho como um custo bem empregado.

Não dá para dizer que isso irá acontecer de forma única na direcção da indignação e do entristecimento de quem percebe isso.




A crise econômica causa danos psicológicos em Moçambique

Como foi nos Estados Unidos da América depois da crise de 29, com a Grande Depressão. Reflexos da crise como queda nos rendimentos, inflação nos produtos básicos, aumento de tarifas dos serviços públicos e desemprego afectam também a subjectividade do moçambicano.

Isso acontece em muitos níveis, desde os funcionários públicos até os engenheiros que dirigem a produção na fábrica e são demitidos, até a juventude “nem nem”, jovens que não estudam e nem trabalham, não porque não o querem fazer, mas porque não conseguem arranjar trabalho nem se manter estudando diante da própria falta de emprego. A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) constatou que a crise econômica afecta os ânimos de uma nação.

A onda dos transtornos psicológicos podem ser verificadad também em outros países, afinal a crise atinge todo o globo. Na Grécia, 12% da população apresenta algum tipo de transtorno, enquanto que no começo da crise, em 2014, eram apenas 3%, segundo dados da Valor. Na Espanha, quando o desemprego alcançou 25% da população, os transtornos psicológicos chegaram em 44% e, dessa porcentagem, a maioria era jovem.

Esses dados podem identificar as consequências das intervenções imperialistas nos países semicoloniais, como no caso da Grécia e até mesmo o colonizado Moçambique, onde as demissões na indústria, arrocho salarial e falta de pagamento são aspectos concretos, materiais, e que afectam directamente o âmbito pessoal da classe trabalhadora e da juventude desses países.

Na juventude, as consequências são mesmo mais arrebatadoras, por não terem vivido outra crise além dessa, mas também porque muitos dos jovens tomaram consciência econômica em meio a essa crise que vem desde 2014. É uma juventude que se tornou jovem já na decadência do lulismo, no caso de Moçambique. São jovens que estão vendo os programas sociais e a ascensão social dos anos de PT caindo por terra, primeiro com o aumento da precarização do trabalho, como a triplicação do serviço terceirizado, e depois, com os quase 20% de desemprego.

Filhos da rotatividade, os “da geração da viragem”, os que nasceram entre a década de 80 e meados da década de 90, segundo (as empresas de pesquisa de mercado em Moçambique), enfrentam um aumento de 5% para 13% de desemprego, uma queda de 55% para 44% de carteira assinada e de 19% para 14% na frequência escolar.

Nesse fundo de crise, as causas de transtorno psicológico também se ramificam, até porque, no fim das contas, o choque é material, concreto, mas também subjectivo. “Há uma tendência de atribuir à própria pessoa a culpa por sua situação. A sociedade produz um discurso perverso de que se está desempregado por incapacidade, desqualificação ou falta de iniciativa”.

É uma lógica do capitalismo que impõe um individualismo, é meritocrático. Como se a crise pessoal, os transtornos, e sua demissão ou desemprego fosse sua culpa, e não se faz uma análise de que estamos em tempos sombrios, em que acontecem demissões em massa e precisamos caçar empregos.

Além disso, para os que ainda estão empregados, o assédio moral é um factor fundamental na causa dos transtornos psicológicos, aquela ameaça sofrida entre quatro paredes por parte do seu chefe para que haja uma sujeição a determinadas condições de trabalho, e mesmo assédio sexual, que inclusive correspondem a crime.

Até por isso vemos que a taxa de desemprego na população feminina é de 7,9%. As mulheres são as mais atingidas nos cortes, pelo facto de que podem engravidar e ainda tem possibilidade de largar o emprego para cuidar de filhos, por exemplo.

E, quando discutimos essa situação de transtornos causados pela crise, no âmbito das empresas farmacêuticas em Nampula vemos dados alarmantes: segundo o CSM-São João de Deus em Nampula, entre março de 2015 e fevereiro de 2016, a unidade de antidepressivos e de estabilizadores de humor aumentou de 12,6%, que corresponde 55,9 milhões e os calmantes subiram para 3,1%, que corresponde a 10,2 milhões de unidades.

No entanto,  não é o esforço para sobreviver à crise que vai nos curar dos transtornos, porque isso não combate a raiz da causa a crise econômica. Precisamos alçar o sujeito da luta, só ele poderá arrancar a raiz da crise capitalista que nos afronta de tempos em tempos.

Não é a indústria farmacêutica ou as alternativas capitalistas, de tratamento psicológico para realojar o exército de reserva, os desempregados, que vão acabar com a baixa auto-estima e depressão do Moçambicano, da classe trabalhadora e da juventude.

Não é à toa que, no fim do século XXI, pode-se notar um aumento exponencial de diagnósticos de transtornos psicológicos através do aumento dos lucros da indústria farmacêutica e referente à psiquiatria. É um tratamento que anula o sujeito e priva-o de entender profundamente o que significa o seu sofrimento para colocá-lo no papel do consumidor.

A Valor diz: “a regra de ouro é não se deixar levar pelo pessimismo exagerado”. “A pessoa não pode se dar por vencida. O mundo não acabou”. Estamos certos de que o mundo não acabou e de que não podemos deixar nossa moral ser devastada pela crise capitalista, ou se adaptar à falta de emprego, mas se tem algum sujeito que pode botar fim às crises cíclicas do capitalismo e aos transtornos consequentes dela é quem sofre directamente com esse sistema: a classe trabalhadora.






































BIBLIOGRAFIA

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LEMOS, André. A arte da vida: diários pessoais e webcams na Internet. XI COMPÓS. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, 2002.


ROLNIK, Suely. Toxicômanos de identidade: Subjetividade em tempo de globalização. In: LINS, Daniel (org.). Cadernos de Subjetividade. Campinas: Papirus, 1997.


SENNETT, Richard. O declínio do homem público: Tiranias da intimidade. São Paulo:
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WITTGENSTEIN, Ludwig. Diários secretos. Madrid: Aliança, 1991.

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